No O Globo de hoje, já prevendo o resultado da votação, Merval Pereira em sua coluna rotula o posicionamento do Brasil como novas derrotas da política externa brasileira. Escreve ele que o Brasil "tentou, sem sucesso, inviabilizar a solução defendida pelos americanos.” Pois é, parece que os tão celebrados carros-chefe da campanha presidencial de Obama que lhe renderam um prêmio Nobel da Paz simplesmente por se manifestarem como intenção, provaram-se nada mais do que isso: meras intenções.
Curioso como logo depois de firmado o acordo, a mídia tentou associar Obama ao sucesso das negociações com a estória da tal carta que teria vazado, cujo conteúdo, segundo o próprio O Globo, não teria sido comentado pelo Palácio do Planalto. Pois bem, quem mais ganharia com o “desastroso vazamento” senão o próprio Obama? Todos os comentários no site do New York Times daquele dia eram favoráveis aos esforços de Turquia e Brasil no sentido de trazer o Irã de volta à mesa de negociações e condenavam a insistência de Hillary em partir para a imposição de sanções. Mas Merval se mantinha firme em sua estória acusando o Palácio do Planalto de ter causado um desgaste desnecessário entre Washington e Brasília diante de tamanha indiscrição ao mesmo tempo que publicava ipsis litteris o conteúdo da tal carta. Se, como o próprio O Globo noticiou, o Planalto não teria comentado o conteúdo da carta, como é que ele chegou tão detalhadamente às mãos de Merval? Quem teria cometido maior “indiscrição”? Em demonstração de total subserviência ideológica acabou por lançar a hipótese de que o Brasil teria arruinado toda e qualquer chance de aspirar a uma vaga de membro permanente do Conselho de Segurança. Nos dias que se seguiram era possível sentir a torcida para que os Iranianos não cumprissem os prazos de entrega combinados para com isso alimentar ainda mais a mensagem de que não são confiáveis.
Como é que nações que, de fato, e não apenas retoricamente, implementem tais esforços podem ser acusadas de obstrucionistas? É o cúmulo da distorção, a mais completa tradução dessa deselegância nem tão discreta desses que se auto-proclamam porta vozes da sociedade brasileira. O Irã aceitou enviar todo o seu estoque de Urânio à Turquia para que lá fosse iniciado o processo de enriquecimento e que ele continuaria enriquecendo esse Urânio até os 20% permitidos para fins pacíficos em suas instalações que estão abertas às inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica. Com isso minimizaria as suspeitas dos países ocidentais sobre o destino do Urânio importado. Ironicamente, todo o circo é armado para acalmar a paranóia ocidental quando, ao que me parece, o Irã tem muito mais motivos para se sentir ameaçado. Então qual é a contrapartida dessas sanções? O que se espera do Irã? O que susan Rice quer dizer quando declara que “nosso objetivo é sempre persuadir o Irã a suspender seu programa nuclear e a negociar de maneira construtiva e de boa fé com a comunidade internacional.” Então, Brasil e Turquia não fazem parte da comunidade internacional? Não foi a iniciativa uma maneira construtiva de se lidar com o impasse? Não se conseguiu exatamente o que se pretendia quando as negociações foram interrompidas meses atrás? Que parte do acordo mediado pelos dois países não demonstra boa fé do Irã? Ou boa fé seria abdicar completamente do seu direito como nação soberana de administrar a sua matriz energética e cuidar para que seu desenvolvimento não dependa da benevolência externa?
Como o próprio Celso Amorim declarou: se for para adotar uma postura de subserviência total às grandes potências mundiais — como querem os arautos globais — não há a menor necessidade de se ter mais membros permanentes no Conselho de Segurança. Tenho muito orgulho da nossa diplomacia sob a liderança de Celso Amorim e, se ser um derrotado significa ter tido a coragem de acreditar que um outro mundo é possível e, mesmo diante de todas as dificuldades e do ceticismo ao seu redor, demonstrar um compromisso inabalável com a construção da paz, então devemos estar muito bem acompanhados nessa derrota.
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